A Polêmica Entre a Lei e a Fé Em Cristo 1
Paulo: A Polêmica Entre a Lei e a Fé Em Cristo
Paulo, de longe, é o autor mais complexo de ler e entender. Quando se fala de Paulo, eu sou da opinião de Pedro (2 Pe 3. 15, 16). E dada a complexidade da teologia paulina é que nascem as dificuldades de compreendê-lo. Falar sobre Paulo rende milhares de páginas de livros de inúmeros autores ao redor do mundo e ainda vai continuar rendendo. Daí já se nota que falar do que Paulo escreveu não é uma tarefa simples e demanda uma profunda análise exegética, hermenêutica e muita sabedoria e cuidados.
Dentre tantos temas abordados pelo pregador dos gentios, talvez a mais debatida e mais complexa seja quando ele se refere à lei. Para entender a lei em Paulo – ou buscar um norte sobre o que ele nos ensina – é necessário perceber que a lei não é entendida primariamente a partir de Paulo, mas de onde ele tira a sua compreensão da lei. De onde vem o entendimento de Paulo sobre a lei? Da Torá, que se refere aos primeiros cinco livros do Antigo Testamento. Vamos então de início considerar os pontos centrais das declarações paulinas sobre a lei e depois buscar entender a lei no Antigo Testamento.
Quando se fala sobre a Lei nas redações paulinas, e nesse sentido Romanos e Gálatas são as mais evocadas ao debate, é importante levar em conta que a preocupação de Paulo é Cristológica e Soteriológica. Paulo está tratando de Cristo e a salvação em Cristo.
Como expliquei antes, é necessário entender como a Lei era percebida no Antigo Testamento para compreender a apologética de Paulo.
Na Lei se entendia que obedecê-la direcionava à vida "Eu lhes dei os meus decretos e lhes tornei conhecidas as minhas leis, pois aquele que lhes obedecer por elas viverá" (Ez 20. 11). " ... Não agiram segundo os meus decretos, mas profanaram os meus sábados e rejeitaram as minhas leis, sendo que aquele que lhes obedecer por elas viverá" (Ez 20. 13). O mesmo ocorre no verso 21. O texto de Deuteronômio também é importante "Converter-te-ás, pois, e darás ouvidos à voz do Senhor; cumprirá todos os seus mandamentos que hoje te ordeno..." (Deuteronômio 30. 8). Deus exorta o povo a cumprir seus mandamentos, logo buscar obedecer e cumprir os mandamentos não é errado ou pecado, porque o Senhor assim ordena.
Continuamos. "Quando derem ouvidos à voz do Senhor teu Deus, guardando os seus mandamentos e os seus estatutos, escritos neste livro da lei, quando te converteres ao Senhor teu Deus com todo o seu coração, e com toda a tua alma. Porque este mandamento que hoje te ordeno, não te é encoberto, e tampouco está longe de ti." (Deuteronômio 30. 10, 11). Novamente o buscar a observância da lei é ordem divina, não sendo errado buscar obedecer. "Porém se o teu coração se desviar, e não quiseres dar ouvidos, e fores seduzido para te inclinares para outros deuses, e os servires, então eu vos declaro hoje que, certamente perecereis; não prolongareis os dias na terra a que vais, passando o Jordão, para que, entrando nela, a possuas; o céu e a terra tomo hoje por testemunhas contra vós, de que te tenho proposto a vida e a morte, a benção e a maldição, escolhe pois a vida, para que vivas, tu e a tua descendência" (Deuteronômio 30. 17, 18 e 19).
Perceba que Deus estabelece um claro contraste entre vida e morte. A vida está relacionada diretamente em "dar ouvidos à voz do Senhor", "cumprir o que hoje te ordeno", "guardando seus mandamentos e os seus estatutos". A morte está ligada a "teu coração se desviar", "não quiseres dar ouvidos", ou seja, o oposto de obedecer aos mandamentos e leis do Senhor. Os textos que fazem relação entre obedecer as leis e ter vida são fartos, Dt 4. 1; 8. 13, Ne 9. 29; Lv 18. 5.
Concluímos com isso que buscar observar a lei não é ruim, errado ou pecado, pois Deus através dela promete vida àquele que a observa.
Porém é importante salientar que isso não significa que o povo hebreu entendia que se conseguia a vida por mérito próprio
A salvação dependia da misericórdia de Deus e dEle fazer uma aliança com o povo, mas a Lei era o meio pelo qual Deus fazia juízo. É a mesma noção que temos também de sermos salvos pela graça, mas julgados por nossas obras.
O argumento de Paulo vai ganhar força a partir deste entendimento da Lei e com o evento Cristo. A base da teologia de Paulo é que se Cristo morreu para salvar, então não é pela Lei que alguém é justificado e tem acesso à vida, pois se assim fosse Cristo teria morrido em vão (Gl 2. 21). Nesse sentido a preocupação da argumentação de Paulo em relação a Lei é inteiramente Cristológica.
Paulo compreendeu que conquanto a Torá prometa vida em sua obediência, existe um problema: a força do pecado no ser humano. O pecado não nos permite observar a Lei, fazendo com que a Lei nos tenha a todos por transgressores e nos condene em última instância. Ninguém é capaz de observar integralmente a Lei, uma vez que fracassar em apenas um é fracassar em cumprir ela toda. Seu argumento é simples e podemos até resumir num silogismo:
1) Não cumprir a Lei causa maldição;
2) Não conseguimos cumprir;
3) Somos malditos.
Visto que a Lei sempre nos condena, nela, não há nenhum aspecto soteriológico, isto é, de salvação.
Então se não é pela obediência à Lei, pelo que somos justificados?
Acompanhe no próximo artigo (parte 2). Te esperamos lá!
Paulo Matheus Lima